A Encarnação do Demônio




Com Encarnação do demônio, termina um jejum longo, de 30 anos. Durante três décadas ficaram os fãs do cineasta José Mojica Marins e de sua personagem Zé do Caixão sem estréias do ídolo – Delírios de um anormal, último filme do diretor, estreou em 1978. Se levarmos em conta que Delírios de um anormal era quase uma colagem de sobras dos filmes anteriores de Zé do Caixão, podemos acrescentar oito anos extras ao jejum, desde O despertar da besta. Foi tempo mais do que suficiente para que Zé do Caixão se transformasse em cult, aquela categoria de artistas e obras de arte que sobrevivem mais como lendas que como experiência do público, são mais falados que fruídos. Essa transformação está na base da diferença entre Encarnação do demônio e o restante da criação do cineasta. E constitui, também, a origem dos problemas do filme.

A mitologia oficial de Zé do Caixão apresenta Encarnação do demônio como a terceira parte de uma trilogia, cujos capítulos anteriores foram À meia-noite levarei sua alma (1964) e Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967). A personagem estrelou alguns outros filmes, como os mencionados acima; mas sua biografia ficcional está contada na trilogia. Nos dois primeiros filmes, conhecemos o exótico papa-defuntos que sonha anseia pela possibilidade de gerar filhos perfeitos se encontrar a mulher ideal para concebê-los – e na esteira desse sonho, vai espalhando violência por todos os lados. Em Encarnação do demônio, somos informados de que Zé do Caixão passou os últimos 40 anos encarcerado em hospícios e penitenciárias. Quando é solto, retoma a busca por seu sonho – e o banho de sangue.

Aparentemente, é uma seqüência contínua de acontecimentos. Mas se trata apenas de continuidade do enredo, não da personagem, ou da estética. No intervalo entre Esta noite encarnarei no teu cadáver e Encarnação do demônio iniciou-se a “cultificação” de Zé do Caixão. José Mojica Marins começou a se levar a sério. O que antes era espontaneidade, agora tem a obrigação de corresponder à reputação. Não corresponde exatamente por causa da tal obrigação. Há em Encarnação do demônio uma psicologice desnecessária – Zé do Caixão atormentado por seus fantasmas, alguém quer coisa mais sofisticada e menos espontânea? Tudo no filme parece obedecer à idéia do cult de terror, quando antes havia a intenção de provocar o impacto do terror.

Bom índice daquele astral cult é a presença, na equipe, de celebridades que devem ter se divertido muito em participar perifericamente da produção. Os fãs do teatro, por exemplo, vão adorar ver o mais irreverente dos encenadores brasileiros, José Celso Martinez, interpretando o demônio numa das fantasias de Zé do Caixão. Quem observar atentamente a ficha técnica vai descobrir que os figurinos de David Parizotti têm o dedo de Alexandre Herchcovitch. A trilha sonora é assinada por André Abujamara e Márcio Nigro, mas inclui criações de Igor Cavalera.

É demais para a estética trash que celebrizou Zé do Caixão. Mas aumenta as chances de atrair a atenção de vários segmentos do público. Headbangers, góticos e punks, por exemplo, podem se apaixonar pela sangueira, a overdose de signos religiosos, e o espírito apocalíptico de Encarnação do demônio. Quem gosta de terror bem sangrento também tem um bom programa garantido. Mas outros públicos vão descobrir que não têm muito o que apreciar no filme.




Enfim, se tu leu até o fim e assim como eu gosta de um bom filme de terror, vá assisti-lo!

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