AzulEscuroQuasePreto

“Azul Escuro Quase Preto” poderia ser perfeitamente um filme escrito e dirigido por Pedro Almodóvar pelo cenário, seus personagens melancólicos e a trama repleta de subversões morais. Embora também espanhol, Daniel Sánchez Arévalo não é Almodóvar, mas realiza um trabalho igualmente angustiante e interessante ao abordar a vida de uma série de personagens insatisfeitos com a própria vida que estão a poucos instantes de tomarem as rédeas do seu próprio destino. Ou não.

Jorge (Quim Gutiérrez) é um jovem obrigado a assumir o trabalho do pai (Raul Arévalo) como porteiro de um prédio devido a alguns problemas de saúde que o deixaram impossibilitado de continuar na função. À contragosto, mas sentindo um pouco o peso da culpa, ele procura outras ocupações, mas as suas tentativas são sempre frustradas. A mesma frustração que acomete o seu irmão Antonio (Antonio De La Torre), um presidiário que se apaixona pela bela Paula (Marta Etura) em plena cadeia, mas descobre ser estéril, o que lhe deixa decepcionado. Sentimento compartilhado por Andrés (Héctor Colomé), melhor amigo de Jorge, que descobre que o seu pai é homossexual. São ou não são conflitos típicos dos filmes de Almodóvar?

O roteiro de Arévalo é muito bem equilibrado em suas diversas abordagens. No caso de Jorge, ele se vê inferiorizado diante de sua rotina, algo realçado pelo retorno de sua antiga namorada Natalia (Eva Pallarés), após cursos no exterior. E se inicialmente a proposta do irmão em torná-lo “pai de aluguel” o incomoda, o contato com Paula vai lhe permitindo experiências que gradativamente o afetam em suas relações exteriores. As afinidades os aproximam, porém coloca-os diante de um conflito muito maior daqueles que se propuseram ao participarem da idéia proposta por Antonio.

A relação de Jorge e Natalia é igualmente interessante, pois é evidente que apesar de gostarem um do outro, os dois possuem plena consciência de que fazem parte de mundos diferentes, porém é a insegurança dele em comparação à independência dela que o impedem de ignorar suas diferenças. Sendo assim, não é à toa que Jorge evite participar do ciclo de amizades dela, afinal isso mexe com o seu orgulho, algo que nem mesmo ela parece levar em muita consideração ao considerar que pode ajudá-lo profissionalmente. E sabiamente, Arévalo ignora qualquer possível indício do conflito de classes sociais, afinal não se trata de questões socioeconômicas e sim emocionais.

O drama vivido pelo amigo Andrés, mesmo sendo secundário, possibilita que Arévalo investigue as relações familiares ao colocar pai e filho diante de um dilema que afeta as suas aparentes convicções. A cena do jantar em que verdades são colocadas na mesma é de embrulhar o estômago, porque é naquele momento que as todas as máscaras caem. E afinal como julgar se todos possuem algo a esconder? É um panorama que se satisfaz mesmo com um tempo menor de desenvolvimento, mas que conta com boas atuações do trio Héctor Colomé, Manuel Morón e Ana Wagener, que interpreta a mãe.

Quim Gutiérrez que se assemelha muito fisicamente ao ator americano Jason Biggs (o protagonista de “American Pie”) é um jovem bastante promissor, tem carisma, tem presença de cena e mesmo Jorge sendo um sujeito discreto, ele acaba chamando bastante à atenção. Marta Etura é uma jovem belíssima assim como Eva Pallarés e ambas oferecem atuações bastante sensíveis e elas seguram bem a “barra”, mesmo quando as suas personagens passam a assumir contornos mais melodramáticos. Antonio De La Torre também confere personalidade a um sujeito que poderia facilmente ser classificado como um mero canalha canastrão, mas também é uma boa participação, pena que o roteiro passa a se preocupar demais com questões financeiras da família próximo ao terceiro ato, o que enfraquece o seu personagem.

A princípio a conclusão é muito óbvia em sua ironia, mas realça a idéia de que o ser humano é um eterno insatisfeito, tema recorrente no filme, e no geral o diretor Daniel Sánchez Arévalo se sai muitíssimo bem, criando planos e enquadramentos que fogem do convencional, mas que não distraem, nem atrapalham a autêntica e sensível condução da narrativa. “Azul Escuro Quase Preto” (expressão que se refere a um sonho de consumo de Jorge) é um filme que deve ter deixado Almodóvar bastante orgulhoso, afinal, assim como boa parte de seus filmes, é polêmico, criativo e muito bem atuado. Daniel Sánchez Arévalo, guardem esse nome.

tirado do Mono Cine Blog:







(...) Com maestria e originalidade, essa teia de personagens gera um filme espanhol de camadas e mais camadas da falta de perspectiva e do peso que nos é proporcionado se optarmos por carregá-los (o destino dos que nos cercam) nas costas. Tornando assim a nossa vida, nesse caso refletida na de Jorge, que vira porteiro mesmo tendo faculdade de Administração, por acreditar-se responsável pela doença que paralisa seu pai. A vida de Jorge é nula, assim como podemos ou não fazer da nossa. E Jorge não sabe disso e vê no terno azul o símbolo do seu sucesso e nos demais, a esperança. E no fim, como julgá-lo ou não entender suas ações? Diferente, espontâneo e acima de tudo singelo, jaz aqui um belo filme humano que merece ser visto e que foge do lugar-comum ou de que poderíamos chamar de uma película de auto-ajuda.




Sei que estou fazendo todas as resenhas à toque de caixa. Mas quero lembrar que realmente vale a pena ver o filme... não pretendo me alongar muito, pois as resenhas acima já fizeram um bom retrato da história.
Esse filme veio para confirmar a preferência por dramas que saibam explorar os conflitos emocionais do ser humano...

(ah, talvez eu tenha gostado tanto do filme por ter me identificado bastante com o personagem... enfim...)

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