Meus Poemas Preferidos

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Uma síntese do lirismo libertário presente em Meus poemas preferidos pode ser encontrada em “Poética”, que se revela um dos textos mais importantes do primeiro momento do Modernismo brasileiro porque nele notamos uma crítica contundente às forças normativas da ordem que transformaram a arte em ato burocrático [atitudes parnasianas], com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor, e explicam a explosão de náusea estampada pelo poema na fastidiosa repetição do estou farto.

Síntese das múltiplas formas de coerção, o aparato denunciado deixa ver com clareza os traços da escravização: lirismo ordeiro, bem-comportado, obediente, cansado, esgotado, sem nervos, debilitado. Símbolo concreto da escravidão, esta busca do cunho vernáculo de um vocábulo consigna o próprio paradoxo da expressão lírica. A caça ao purismo lingüístico é incompatível com os fundamentos líricos, que têm na individualidade e na liberdade sua mais forte razão de ser. Nada podia ser mais ridículo e contraditório do que sustar a emoção e sair correndo atrás do dicionário para resolver o problema. Seria a capitulação mesma do lirismo que jogou a poesia para aquele lirismo político, raquítico, sifilítico. Aliás, a enumeração estabelecida pelo poema mostra as causas do enfraquecimento: lirismo rotinizado até a exaustão [o lirismo contra o qual o sujeito poético se insurge é tanto o parnasiano, formalista, quando o romântico].

De outra parte, parece evidente que esta recusa do comedido, do bem-comportado, conduz naturalmente ao seu oposto, na medida em que instiga o homem à procura do diferente. Encerra as energias necessárias na luta para a destruição do convencional, a barrar a livre ação; energias que ajudam a entender a explosão do poeta: Quero antes o lirismo dos loucos/ O lirismo dos bêbados/ O lirismo difícil e pungente dos bêbados/ O lirismo dos clowns de Shakespeare. O desabafo mostra a necessidade de libertação, de escapar das formas de cerceamento e inibição. Era, portanto, mais que um grito pessoal, individual. Ressoa coletivamente. Contém o apelo sufocado e busca um meio de liberação os conteúdos humanos interiorizados, mas presos nas malhas do contexto literário e social atuante. Limitando a ação pessoal, as pressões do meio somente permitem a libertação pelo ato marginal, momento em que desaparecem os freio inibidores, como acontece com os loucos, os bêbados, os clowns. Momento sublime em que a palavra se liberta das peias, retoma seus direitos, recupera sua força, despeja sua carga emocional.

Mais que brado libertário do artista, o protesto do poeta identifica o sistema de opressões em que a individualidade é esmagada em favor de valores para os quais o homem é objeto desimportante. Deste modo, o rompimento com as amarras poéticas dominantes e a busca de uma palavra menos contaminada se inscrevem como necessidade básica de preservação, ante as ameaças que tendem a se alastrar a subjugar todas as criaturas. Não é apenas protesto contra o lirismo aviltado, mas contra todas as formas de opressão que represam a emoção lírica.

resenha do blog Jaguarouí.


[Esse foi o último livro que li para o vestibular da UFMG, e também o ultimo livro que li no ano de 2008. Li esses livros num período de duas semanas que incluía a leitura de toda a matéria de história, geografia e matemática para a segunda etapa da federal... Com isso fiz essas leituras de modo cansativo e mal feita, assim pouco aproveitei do que li e por isso mesmo não emiti nenhuma opinião sobre os mesmos até aqui.
Porém vale ressaltar a qualidade de São Bernardo (Gracialiano Ramos) e Meus Poemas Preferidos (Manuel Bandeira) que me fez ver poesia com olhares mais amenos e talvez criou em mim um possivel interesse pela sua obra, mas isso sóo tempo dirá...]


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