Ensaio Sobre a Cegueira



Um dia normal na cidade. Os carros parados numa esquina esperam o sinal mudar. A luz acende-se, mas um dos carros não se move. Em meio às buzinas enfurecidas e a à gente que bae nos vidros, percebe-se o movimento da boca do motorista, falando duas palavras: Estou cego. Assim começa esse romance de José Saramago A "treva branca" que acomete esse primeiro cego vai se espalhar incontrolavelmente pela cidade e, em breve, uma multidão de cegos precisará aprender a viver de novo, em quarentena. "Só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são". E, de fato, o que se verá é uma redução da humanidade às necessidades e afetos mais básicos, um progressivo obscurecimento e correspondente iluminação das qualidade e dos terrores do homem. (E das mulheres também, de maneira especial).

Impressionante, comovedor, este romance é um marco na literatura em lingua portuguesa. É uma visão das trevas, uma viagem ao inferno, e a história de uma resistência possível à violência de tempos escuros. "Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos", diz uma personagem. Com caracteristico controle, José Saramago - e seu alter ego furtivo, no romance - luta aqui para combater a inadequação, ou insuficiência das palavras para resgatar o afeto perdido. As vésperas do fim do milênio, num período onde imperam, de um lado, a velocidade, a ganancia e a abstinência moral e, de outro, a profecia e um misticismo compensatórios, o escritor vem nos lembrar a "responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". É um livro, então, sobre ética, e é um livro também sobre amor, e sobre a solidariedade, "Parece parábola", comenta alguem no romance; mas sua força, como nas melhores parábolasm vem precisamente do realismo e da descrição, no limite do inominável.

Cada leitor viverá, aqui, uma experiência imaginativa única, no esforço de recuperar a lucidez. "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". A epígrade resume a empreitada do escrito , como de cada leitor. Não se trata só de reparar no significado das coisas, mas também de proceder à reparação do que foi perdido, ou mutilado - "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".



Arthur Nestrovski


Se após as palavras de Arthur Nestrovski você não se interessou pela história, o que eu posso fazer? Talvez sugerir ver o filme de Fernando Meirelles, assim quem sabe a chama do interesse se acenda em você. Independente do modo que você chegue em Ensaio Sobre Cegueira, sei que você sairá obrigatoriamente diferente, pois o livro nos faz olhar para dentro nós e enxergar as mazelas da sociedade que têm suas origens dentro de cada um de nós.
Leitura importante em algum momento da vida...


SERVIÇO
Ensaio Sobre A Cegueira
Autor: José Saramago
ISBN: 978-85-7164-495-3
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2008
Página: 310

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