Coraline e o Mundo Secreto



Coraline e o mundo secreto, filme de animação dirigido por Henry Selick, tem seus méritos. Constrói um retrato incomum da infância no cinema, simbolicamente ligado à realidade mas não inspirado objetivamente nela. Ao fazê-lo, trata de questões como educação, família, amizade, rebeldia e liberdade. Se a lógica com que apresenta tudo isso é perversa (sentimo-nos diante de um pesadelo, e não de um sonho, como é regra no gênero), não se torna menos didática por causa disso. E as imagens são deslumbrantes, revelando, a cada momento, um detalhe inesperado do espaço ou da ação.

Por esses motivos, em outras épocas Coraline seria celebrado como um grande momento do filme de animação. Hoje, contudo, mostra-se apenas como algo mediano. Parte da culpa pelo estabelecimento dessa perspectiva é da profusão de obras do gênero que têm chegado às telas a cada temporada – num panorama de maior diversidade e, consequentemente, maior possibilidade de comparação, as chances de cada filme alcançar a excelência diminuem. Parte da culpa, contudo, deve-se ao fato de que ele foi criado com anos de atraso. Coraline produz a incômoda sensação de que é a segunda parte de um filme que nunca foi feito, mas é como se o conhecêssemos. É até fácil saber de onde vem a impressão: os filmes de Tim Burton, com intérpretes de carne e osso ou imagens animadas, produzem efeito semelhante. Coraline é demasiadamente aparentado com A noiva fantasma, Sweeney Todd ou Edward mãos de tesoura para merecer destaque sem acrescentar alguma coisa à estética proposta neles.

Coraline e o mundo secreto inaugurou, há poucas semanas, a primeira sala 3D em Belo Horizonte, no BH Shopping, e permanece em cartaz ali. A nova tecnologia usada para produzir a ilusão de três dimensões supera em muito aquela que foi modismo por alguns períodos nas últimas décadas. Como os óculos não precisam ter as incômodas cores diferentes, o filme ganha nuances cromáticas nítidas. E as imagens mostram resolução equivalente às de qualquer outra película, enquanto o processo antigo resultava frequentemente em borrões.

A tecnologia, contudo, ainda não é capaz de resolver o problema essencial dos filmes em 3D: o fato de que os efeitos são completamente desnecessários. Ou pior: chegam a atravancar a narrativa. Não parecem estar a serviço dela, são apenas exibidos de maneira desnecessária. Não contribuem para a história, não acrescentam nada aos sentimentos ou impressões do espectador frente a ela. O filme apresentado nas salas com imagem plana não é nem um milímetro inferior ao que foi mostrado em 3D. Na verdade, parece até mesmo mais denso.

A verdade é que a maioria dos artistas e espectadores ainda pensa o cinema apenas como uma estrutura audiovisual de contar histórias – ou seja, basta um enredo, um conjunto de ações executadas por intérpretes vivos ou personagens animadas, uma imagem capaz de apresentar tudo isso com eficiência. Nenhum cineasta ou produtor ainda conseguiu demonstrar que a percepção a este sistema é diferente se as imagens são planas ou tridimensionais – o que ameaça conduzir os filmes atuais em 3D, assim que o modismo passar, ao capítulo de invenções bizarras da história, como ocorreu com seus antecessores e com diversas outras tecnologias cuja publicidade prometia revolucionar o cinema, mas, na verdade, tinha objetivo apenas de encher os bolsos da indústria.

Fonte: Porta UAI

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