Pra que Serve a Crítica?

Aqui vai na íntegra o texto que o Pablo Villaça - crítico do site Cinema Cena - escrever em seu blog em junho de 2010. Uma reflexão muita interessante sobre o papel do crítico de cinema (e de outras áreas de modo geral), que ajuda em um exercício de reflexão a cerca dos textos que produzo para o Cinema de Buteco.

Boa Leitura!


Já escrevi sobre o assunto há vários anos (nove, pra ser preciso), mas esta é uma questão que, incompreensivelmente, jamais deixa de surgir em qualquer conversa sobre o papel do crítico. Sempre que uma superprodução é lançada, aqueles que já eram seus fãs antes de mesmo de conferi-la se transformam em animais raivosos diante de qualquer crítica negativa e passam a atacar o incauto que teve o infortúnio de escrevê-la – e nestas ocasiões sempre surgem aqueles que afirmam categoricamente que a crítica cinematográfica é um exercício de futilidade, uma profissão inútil e por aí afora.
 
O que estas pessoas estão buscando, na realidade, é uma reafirmação de seus gostos, o que as leva a encarar uma crítica divergente como um ataque à sua inteligência, como uma afronta pessoal – o que obviamente é um absurdo por definição. Há alguns anos, traduzi aqui um texto fantástico do crítico canadense Geoff Pevere sobre estas reações viscerais à crítica cinematográfica e agora transcrevo, abaixo, trechos de um outro excepcional artigo de autoria de um certo Q.Le. (Eu não o conhecia; descobri esse texto através do site Movie City News, de meu amigo Dave Poland.) Como sempre, esclareço que os erros de tradução são de minha responsabilidade e sugiro que leiam o artigo na íntegra no site de Le, que é bem mais extenso e envolve sua descrição reveladora de um debate do qual participou e que inspirou seu post. Além disso, é interessante observar que ele também se tornou fã de Anton Ego (que uso como avatar no MSN e no fórum do Cinema em Cena), comprovando algo do qual eu já desconfiava: aquele personagem deRatatouille se tornou um verdadeiro ícone dos críticos de Cinema.
 
"O CRÍTICO ESSENCIAL (E POR QUE PRECISAMOS DELES)
 
(…) A crítica boa e legítima vem se tornando cada vez menos apreciada nos dias de hoje.
 
Quando penso em crítica, não estou buscando uma reafirmação de minha opinião – estou buscando algo que me faça pensar diferente. Ver algo sob uma nova luz, ver algum tópico a partir da perspectiva de outro indivíduo, perceber uma metáfora ou analogia ou simbolismo ou qualquer coisa – qualquer coisa que me faça ver algo novo. Se concordo ou não com a crítica em si é irrelevante; o que importa é que eu possa extrair algo dela, que talvez eu possa aprender algo com ela.
 
(…) A percepção mais comum é a de que críticos são como abutres, sempre prontos para atacar e destruir o duro trabalho de qualquer aspirante a artista. Eu acredito no oposto: criticar é pensar, e é uma arte que vem se tornando cada vez menos apreciada em um mundo que valoriza uma mentalidade de "quero me sentir bem agora" em vez de qualquer coisa de maior substância intelectual. O prolífico Todd McCarthy, um crítico de cinema com imenso conhecimento sobre a arte e sua história, foi recentemente demitido da antes prestigiada Variety numa decisão que claramente reflete a mudança da sociedade: críticos valem menos do que o Tomatômetro, o Metacritic, enquetes do Yahoo e frases curtas sobre "como este filme é fantástico!" ou "que porcaria de filme!". Todos querem uma reafirmação de suas opiniões que lhes façam sentir bem – e críticos de verdade não oferecem isso.
 
Críticos defendem seus argumentos e suas decisões por trás destes. Freqüentemente um crítico vai chamar a atenção sobre um novato que ele encara como digno de nota. (…) Isto não é necessariamente uma obrigação do crítico, mas representa o tipo de valorização que freqüentemente o crítico considera ser devida aos artistas que admira. Da mesma forma, esta é a força motriz ao desancar obras que consideram ruins e ofensivas, quando sentem que o público merecia algo melhor. (…) Nenhuma opinião é, a princípio, certa ou errada – o que importa de fato é a argumentação por trás de cada opinião, os motivos que levam um crítico a apoiar ou a atacar uma obra. 
 
Críticos de verdade não são como Ben Lyons, que de forma infame declarou que Eu Sou a Lenda era "um dos melhores filmes já feitos" e que atacou Sinédoque, Nova York, de Charlie Kaufman, por ser "difícil de entender". (…) Ele não é um crítico de cinema, é um gerador de frases para anúncios de televisão. Ele é um daqueles nomes que você vê em cartazes de filmes universalmente atacados debaixo de frases como "Este filme é ÓTIMO!" sem que nenhum argumento seja apresentado para embasar a afirmação. (…) Isso não é um crítico de cinema, é uma turbina publicitária que não oferece nada que mereça atenção.
 
(Nota do tradutor: lamentavelmente, há vários Ben Lyons "brasileiros" – alguns deles, infelizmente, por trás de alguns sites incrivelmente populares -, mas citá-los é desnecessário. Vocês os reconhecerá facilmente através de seus textos ou "argumentações".)
 
O que críticos de verdade oferecem é uma área de dissonância mental, de discussão instigante. David Edelstein estava do "lado errado" quando atacou O Cavaleiro das Trevas em 2008 e fãs irados (muitos dos quais nem mesmo haviam visto o filme quando o artigo foi publicado) o acusaram de ser um "babaca arrogante", alguém que estava apenas atrás de "acessos para seu site". Poucos discutiram realmente o que ele havia escrito em seu texto, que era inteligente e bem argumentado. Eu não concordo com Edelstein em todos os seus argumentos, mas sua opinião tinha valor. (…)  Eu prefiro ler um texto que discorde de minha opinião, mas que seja articulado, do que um festival de elogios vazios e superficiais a um filme do qual eu goste.
 
A crítica é essencial; sem ela, estamos destinados a um ciclo perpétuo de sentimentalismo barato, condenados à infantilidade sem qualquer esperança de amadurecermos em direção a idéias críticas e honestas. Discussões não são sobre certo ou errado, ganhar ou perder – são sobre idéias e sobre como estas são apresentadas; são sobre prosa. Discussões nunca são definitivas e jamais serão; em vez disso, estão condenadas a serem continuamente repetidas e revisadas, a baterem de um lado a outro até o fim da consciência humana. Nós precisamos delas para o nosso próprio bem – e precisamos delas ainda mais nos dias de hoje, nesta sociedade que valoriza cada vez mais uma mentalidade centrada apenas em se sentir bem."

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